quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Trezentos Picaretas - Alexandre Garcia

“Há no Congresso uma minoria que se preocupa e trabalha pelo país, mas há uma maioria de uns 300 picaretas que defendem apenas seus próprios interesses.” A constatação é de 1993, do presidente do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, depois de ter sido, por quatro anos, deputado-constituinte. Dois anos depois, a constatação virava música dos Paralamas do Sucesso: “Luiz Inácio avisou, Luiz Inácio avisou/São trezentos picaretas com anel de doutor”.

O tempo passou, a prática continuou, e em fevereiro de 2015 foi o Ministro da Educação de Dilma, Cid Gomes, que avisou: “Tem lá uns 400, 300 deputados que quanto pior, melhor pra eles, que querem que o governo esteja frágil, porque é a forma deles achacarem mais, tomarem mais, tirarem mais dele e aprovarem suas emendas impositivas.”

Semana passada foi a vez de um ministro de Bolsonaro, General Augusto Heleno, dar o aviso. Não o fez em público, mas numa queixa privada, para o Ministro Paulo Guedes, captada por um microfone indiscreto: “Não podemos aceitar esses caras chantageando a gente o tempo todo. Fodam-se.”

Mais tarde, em nota, o Ministro da Segurança Institucional acrescentou: “Isso prejudica o Executivo e contraria os preceitos de um regime presidencialista. Se desejam o parlamentarismo, mudem a Constituição.”

A Constituição de 1988 é a origem disso. Logo que foi promulgada, entrevistei o Presidente José Sarney na TV e ele disse: “Esta Constituição torna o país ingovernável”. Em 2014, com 28 anos de observação, Sarney, que viveu a maior parte da carreira política no parlamento, acrescentou: “A compulsão de expandir poderes, torna o país ingovernável. O parlamento desmoralizou-se, instituiu práticas condenáveis.”

Eu cobri a Constituinte e sei como aconteceu. Estavam fazendo uma constituição parlamentar e o presidente Sarney se mobilizou contra. De consolo, fizeram uma emenda presidencial, dando ao presidente a Medida Provisória. E criaram uma constituição Frankenstein, na qual o presidente, que é responsável pelo governo, não tem os poderes para governar; quem tem esses poderes é o Congresso, que não tem a responsabilidade de governar.

O resultado é que para governar, os presidentes se entregaram aos partidos, cedendo ministérios e estatais, o que gerou a maior corrupção institucionalizada. Chamou-se isso de “Presidencialismo de Coalizão” – um eufemismo para esse Frankenstein.

O atual governo interrompeu o acesso do monstro e afetou as “práticas condenáveis” e "os próprios interesses”, aplicando a separação de poderes, prevista na Constituição. A situação foi agravada com as emendas impositivas – dê o dinheiro aos deputados ainda que falte para quem tem o ônus de cobrar os impostos e governar. E agora articulam a derrubada de um veto do presidente, para usar mais 30 bilhões, em ano de eleição municipal.
Gazeta do Povo

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

J.R.Guzzo: Bolsonaro não deveria abrir mais a boca para brigar com ninguém até 2022


O presidente Jair Bolsonaro, caso fosse capaz de parar para pensar cinco minutos no que é bom para ele e ruim para os seus inimigos, como fazem nove entre dez pessoas que estão num cargo como o seu, tomaria a partir de zero hora dessa quinta-feira a seguinte decisão: não abrir mais a boca para brigar com ninguém até o dia 31 de dezembro de 2022. Com ninguém? Isso mesmo: com ninguém, homem ou mulher, gente boa ou gente ruim, vivo ou morto. Mas e quando ele se sentir injuriado, injustiçado, indignado – vai aguentar quieto, como se tivesse sangue de barata? Isso mesmo, mais uma vez. Presidente da República não é um cidadão como qualquer outro. Não interessa o tipo de sangue que tem – A, B, AB, O-Universal ou de barata. O que interessa é que tem obrigações, responsabilidades e compromissos nos quais não pode falhar. Um deles é não sair batendo boca com ninguém.

Quem tem de responder a críticas, discordâncias, agressões, ofensas ou seja lá o que for não é Bolsonaro. É qualquer um – menos ele. O presidente tem muita gente para fazer isso. Tem um Ministério inteirinho. Tem deputados, senadores e governadores que jogam no seu time. Tem seus serviços de comunicação. Tem as redes sociais. Tem, em suma, todo mundo que está a seu favor. Se vai ele mesmo para o meio da rua e entra numa rixa atrás da outra, é porque quer e gosta de fazer isso. E como presidente, Bolsonaro não tem o direito de querer e gostar de baderna.

Esse atrito permanente, além disso, é uma coisa que não faz sentido. De um lado, só conforta as pessoas e as forças que mais o detestam. De outro, não o ajuda em nada. Mas o “público interno”, os bolsonaristas devotos, não vibra quando ele sai na mão com a mídia, a esquerda ou as figuras francamente detestáveis com quem vive rolando no chão? Pode ser; sabe lá o que os seus gênios da comunicação digital estão mandando que ele faça. Mas nessas horas Bolsonaro tem de lembrar que não é presidente só dos que votaram nele, e sim de todos os 200 milhões de brasileiros. É sua obrigação, junto a eles, manter a compostura, e não dar bananas.

Se ficasse quieto até o final do seu governo, só falando como um chefe de Estado, Bolsonaro iria tirar dos seus adversários a arma que mais gostam de usar – talvez, até, nem tenham outra. Ninguém vai crescer em cima dele discutindo pontos de doutrina socioeconômica, ou dizendo que é “fascista”, ou “misógino”, ou coisas que a população nem sabe o que são. Mas adianta alguma coisa falar isso? Não parece. Na porta por trás da qual deveriam estar as ideias de Bolsonaro, a visita bate, bate, bate – e ninguém responde.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Olavo e Stalin

Uma postagem de uma semana atrás onde Olavo ainda insiste em cogitar a hipótese da Terra ser plana.

Olavo de Carvalho disse em seu Facebook que “o esquerdismo é uma mutilação intelectual auto-imposta e, na maioria dos casos, incurável”. Muito bem, até concordo. Só que me ocorreu uma dúvida e, como Olavo foi comunista radical e filiado ao PCB, perguntei a ele se ele se curou - eu tenho certeza absoluta que não. É claro que ele não me respondeu. O silêncio é a resposta de praxe em quase todas as perguntas que o incomodam (isso quando ele não responde com uma meia dúzia de impropérios ou bloqueia de vez quem ousa inquiri-lo).

Vejam só. No stalinismo, notadamente no pós-guerra, nenhuma dimensão da existência humana podia ser admitida como sendo indiferente e todas estavam a serviço da política. Em cada caso - da política ao esporte, da filosofia à literatura, do cinema ao divertimento - não se reconhecia outra alternativa: quem não pertencia explícita e ativamente ao campo revolucionário e socialista, isto é, ao lado da União Soviética, situava-se, pelo menos objetivamente, no campo do inimigo, o do capitalismo explorador: o Mal. Desde a morte do profeta Maniqueu - filósofo persa do século III, que dividiu o mundo simplesmente entre Bem, ou Deus, e Mal, ou o Diabo - o mundo não conhecia uma oposição doutrinária tão extremada entre o Bem e o Mal.

Posto isto, a minha certeza que Olavo não se “curou” do esquerdismo fica fácil de explicar e ainda mais fácil de ser constatada se alguém se der ao trabalho de acompanhar uma intriga dele com qualquer pessoa - ele vive de intrigas -, bastando observar que: 1) a argumentação dele sempre dá lugar a um ataque pessoal desqualificante; 2) tudo que o contradiz é considerado errado e quem o contradiz não é considerado como interlocutor, mas sim como um inimigo a ser eliminado, literalmente, e isso pode ser observado em qualquer discussão sobre qualquer assunto, seja político, científico, artistico, etc.. Ora, se isso não for o mais puro stalinismo, eu não sei o que é.

Ainda que seu discurso se assemelhe ao de um direitista empedernido, suas atitudes maniqueístas são a prova cabal do ranço comunista que Olavo carrega. Não é de admirar, até porque, se trata de uma personalidade egocêntrica doentia e instável - e lá se vão mais de 20 anos que o acompanho. O sujeito já foi comunista, astrólogo, dervixe (um tipo de islâmico sufista) e fundador de uma tariqa (confraria esotérica islâmica) no Brasil, filósofo auto-outorgado, professor idem sem diploma de magistério e hoje é um carola radical e místico capaz de defender o terraplanismo, afirmar que as músicas dos Beatles foram compostas por Theodor Adorno, dizer que Newton estava errado e que Einstein era um picareta plagiador de Poincaré.

E ainda tem muita gente que dá crédito total a ele...

Ricardo Froes



terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Querem cassar os direitos de Regina Duarte - JRGuzzo


Gazeta do Povo
Para além de toda a gritaria indignada de uma parte da classe artística brasileira, à beira de um ataque histérico com a nomeação de Regina Duarte para a Secretaria Especial de Cultura, há um fato indiscutível e chocante: os colegas de profissão da atriz estão negando a ela o exercício livre de seus direitos civis. É algo realmente extraordinário.

Mais de 60 anos após as lutas de Martin Luther King, que mudaram os Estados Unidos para sempre ao provar para a sociedade americana e para o resto do mundo que todos os cidadãos de um país têm direitos naturais que não podem ser negados por ninguém e por nenhum motivo, estamos de volta, no Brasil de 2020, ao Alabama de 1960.

A “classe artística brasileira”, ou mais exatamente os que fazem barulho na mídia, está dizendo que Regina Duarte não pode exercer o seu direito constitucional de aceitar um convite para o ministério do governo Jair Bolsonaro.

Assim como um negro americano não podia ocupar cargos públicos pelo fato de ser negro, Regina Duarte não pode ser ministra pelo fato de ser atriz – e atrizes, na visão das nossas classes “intelectuais”, não podem trabalhar num governo de direita, porque não têm o direito, garantido por lei, de ser de direita. Regina é de direita? Muito bem: e o que resto do mundo tem a ver com isso? A Constituição do Brasil diz que ela tem o direito de pensar o que lhe der na telha.

Nenhum dos indignados com a nomeação de Regina Duarte se lembrou de levar em conta que o governo de Jair Bolsonaro é legal, legítimo e constitucional. Foi eleito democraticamente, dentro de todas as regras em vigor, em eleições livres, por quase 58 milhões de votos – a maioria absoluta, de longe, dos que votaram na eleição presidencial de 2018.

O que há de errado em aceitar um convite para trabalhar nesse governo? Se você é contra o governo, vá adiante e seja contra; mas você não pode negar ao cidadão que está ao seu lado o direito de ser a favor. Ao agir como agiu no caso de Regina Duarte, a “categoria artística” mostrou que não aceita, simplesmente, as regras de uma democracia. Não há remédio conhecido para isso: quem não aceita as regras da democracia é a favor de ditaduras. O resto é argumentação hipócrita e falsificada.

Se Regina Duarte vai ou não dar certo como secretária da Cultura já são outros quinhentos. A impressão, pelos fatos disponíveis hoje, é que isso é uma missão impossível. Talvez possa se demostrar que não, que a missão seja possível – mas, nesse caso, será preciso fazer a demonstração concreta.

É, mais ou menos, como nomear um cidadão para o Ministério dos Discos Voadores – que raios um filho de Deus (uma filha, no caso), pode fazer de útil num cargo desses? O Brasil não precisa de uma Secretaria, de um Ministério da Cultura. Precisa de cultura – que não apenas é outra coisa, mas é algo que a intervenção do governo ativamente atrapalha.

O Brasil precisa de um serviço capaz de tapar goteiras, instalar ar condicionado e evitar incêndios em seus museus, bibliotecas e milhares de instalações dedicadas à cultura e entregues ao mais miserável abandono. Precisa impedir que suas construções históricas venham abaixo. Precisa salvar as estátuas expostas em praça pública. Precisa de todas essas coisas que você sabe tão bem quais são – e nenhuma delas tem nada a ver com a Secretaria Especial de Cultura.

Mas não é isso que se discute. O que se quer é cassar, em público, os direitos de uma cidadã brasileira livre. É muito mais que ódio, apenas.