segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

O ano da histeria moderada - Guilherme Fiuza (Gazeta)


Em 2019, a onda de ódio, obscurantismo e protofascismo mergulhou o Brasil nas trevas satânicas do Mal. Impôs-se sobre o país alegre e fagueiro que vivia sua doce pindaíba em perfeita harmonia com seus parasitas uma ditadura cruel e implacável de extrema direita. A seguir, um decálogo da ação hedionda dessa extrema direita:

1 - Menor taxa de juros da história
Todo mundo sabe que juro baixo é coisa de nazista.

2 - Melhor Natal em cinco anos
Papai Noel obrigou o comércio a bombar, senão ia mandar todo mundo pro campo de concentração. O comércio obedeceu – e os consumidores também – porque ninguém é maluco de contrariar um Papai Noel desses.

3 - Menor risco-país da década
Sabendo que com extrema direita não se brinca, porque eles são mau que nem picapau, o mundo disse que voltou a confiar no Brasil e que muito em breve vai devolver a ele o grau de investimento – jogado fora pelo PT no auge da felicidade nacional. Ainda não saiu a reportagem investigativa mostrando que foi o Mourão que mandou o mundo confiar no Brasil com disparos em massa de WhatsApp, mas é questão de tempo.

4 - Mais de 100 bilhões de reais em privatizações
Todo mundo sabe que a riqueza dos brasileiros vem sendo drenada por um Estado burocratizado e corrupto, mas ninguém imaginava que em um ano se pudesse tirar um peso desse tamanho das costas do contribuinte. Só o fascismo seria capaz de uma arbitrariedade dessas.

5 - Cerca de 1 milhão de novos empregos
Mais um indicador incontestavelmente de extrema direita. Botar as pessoas para trabalhar é coisa de ditadura.

6 - Redução da criminalidade em todo o território nacional
Outro absurdo perpetrado por essa ideologia obscurantista que solapa o direito do cidadão de ser roubado e fuzilado normalmente no caminho de casa para o trabalho e vice-versa, ou mesmo num agradável dia de folga. Não é mais segredo para ninguém que Sergio Moro endureceu a vida dos chefes de facção nos presídios, entre várias outras medidas que comprovam o endurecimento do regime. Bem que os hackers do PT avisaram à imprensa amiga que Moro era fascista.

7 - Reforma da Previdência
Medida autoritária de extrema-direita que reabriu as perspectivas do país na marra, justamente no momento em que os brasileiros estavam quase conseguindo cancelar o futuro – essa entidade abstrata, duvidosa e traiçoeira que só serve para ameaçar as pessoas, porque todo mundo sabe que a vida é agora.

8 - Lei da Liberdade Econômica
Atentado miliciano contra o Custo Brasil – essa entidade simpática e secular que sempre chupou o sangue do brasileiro com ternura e sem fazer mal a ninguém. Os vendedores de facilidades estão indignados e irão à ONU denunciar o massacre contra a burocracia nacional, patrimônio do país e fonte histórica de calorias para uma multidão de seres humanos com vocação para não fazer nada. Há o risco iminente de uma epidemia de novas empresas com crescimento do empreendedorismo e ninguém sabe onde isso vai parar. Basta de liberdade imposta goela abaixo.

9 - Abertura da Infraestrutura
Essas medidas despóticas de asfaltamento incessante de estradas, conclusão de ferrovias, concessão de portos e aeroportos, abertura da aviação com ameaça de passagens mais baratas, além da abertura de setores de energia como o do gás com a perigosa atração de investimentos privados provam definitivamente que forças obscuras estão agindo para melhorar a vida do povo sem pedir licença à corte dos parasitas – ou seja, atropelando a democracia de auditório.

10 - Recorde na Bolsa de Valores
É típico fenômeno de extrema-direita o mercado de capitais sair dando saltos de prosperidade por aí. Provavelmente tinha algum fascista com um revólver apontado para a cabeça do mercado mandando-o bater recordes sucessivos em 2019. Essa violência não tem fim.

Feliz 2020 a você que sobreviveu à patrulha da extrema moderação.

Um outro Brasil - JRGuzzo


O fato mais importante da década para o Brasil foi a explosão na cena nacional de um moço nascido no norte do Paraná, formado numa faculdade de direito da cidade de Maringá e desvinculado de corpo e alma do grande circuito São Paulo-Brasília-Rio de Janeiro de celebridades jurídicas, reais ou imaginárias. Seu nome, como todo o Brasil e boa parte do mundo sabe hoje, é Sérgio Moro - um típico “juizinho do interior”, como foi definido na ocasião pelo ex-presidente Lula e sua corte imperial. Todo mundo se lembra: eles simplesmente não entenderam nada quando Moro começou a chamá-lo, como um cidadão normal, para prestar contas à Justiça sobre o que tinha feito em seus tempos de poder e glória. Onde já se viu uma coisa dessas? O titular de uma modesta Vara Criminal de Curitiba, com pouco mais de 40 anos de idade, querendo interrogar, processar e talvez até condenar “o maior líder político” da história do Brasil? Pois é. Era isso mesmo. E o mundo inteiro sabe o que aconteceu depois.

Sérgio Moro mudou a realidade do Brasil como ninguém mais, nestes últimos dez anos - ou 50, ou sabe-se lá quantos. Condenou e botou na cadeia por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, pela primeira vez na história, um ex-presidente da República. Comandou a maior operação judicial contra a corrupção jamais realizada no Brasil. Não só a maior: a primeira feita para valer em 500 anos, a mais bem-sucedida em termos de resultados concretos e a mais transformadora da vida pública que o País já conheceu. Moro, no comando da Lava Jato, conseguiu mostrar a todos, na prática, que a impunidade das castas mais ricas, poderosas e atrasadas da sociedade brasileira não tinha de ser eterna - podia ser quebrada, e foi. O governo paralelo que as empreiteiras de obras sempre exerceram no Brasil, mais importante que qualquer governo constituído, foi simplesmente riscado do mapa. Em suma: a Lava Jato virou uma nação inteira de ponta-cabeça. Havia um Brasil antes de Moro. Há um outro depois dele.

Exagero? Pergunte à Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa ou OAS se mudou ou não alguma coisa importante em suas vidas. A mesma pergunta pode ser feita às dezenas de políticos processados e presos, a empresários piratas que durante décadas saquearam o Tesouro Nacional e aos monarcas absolutos que reinavam nas diretorias das empresas estatais: e aí, pessoal, tudo bem com vocês? Dá para ver se houve ou não mudança, também, quando se constata que a ação de Moro levou milhões de brasileiros para as ruas, num inédito movimento de massas contra a corrupção. Varreu do poder um partido, um sistema e milhares de militantes políticos que mandaram no Brasil durante mais de 13 anos. Fez uma presidente ser deposta do cargo por fraude contábil.

Moro e o seu time fizeram muito mais que condenar 385 magnatas, aplicar 3.000 anos de penas de prisão e recuperar para o erário, até agora, R$ 4,5 bilhões em dinheiro roubado. É bom notar, também, que em toda a Lava Jato não há um único trabalhador punido. Não há nenhum inocente na prisão, agora ou desde que a operação começou, em 2014. Não há, enfim, uma única ilegalidade em nada do que Moro fez - tomou centenas de decisões e três tipos de tribunais superiores a ele examinaram com microscópio tudo o que fez, sem encontrar nada de errado até hoje em sua conduta moral. Acusou-se Moro, até no STF, de colocar em risco “a democracia”. Bobagem. O que acaba com democracia é golpe militar, e não juiz criminal que põe ladrão na cadeia. Nenhum país do mundo, até hoje, virou ditadura por punir a corrupção dentro da lei.

Sérgio Moro deu ao Brasil uma chance de ser um país civilizado. É muito.